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Leila Gato
Embaixadora
«Ó desperdício alimentar que talhas com o teu machado»
Se há coisa que me deixa assim com nervosinho miúdo, como “food enthusiast” e recém mãe que sou, é aquela comida que jaz fria e inerte pelo chão da sala de jantar.
Ora bem, cresci numa casa onde a comida que estava no prato era para comer até ao fim. O motivo? Porque “foi sempre assim”. O mundo movia-se a outra velocidade, as novidades cresciam nas prateleiras dos frescos e nos corredores dos produtos de mercearia das grandes superfícies, a sustentabilidade e o desperdício alimentar eram conceitos atirados lá para os confins do dicionário e os nossos pais faziam o melhor que sabiam.
Entretanto, ao iniciar a diversificação alimentar da minha filha, percebi que havia demasiada comida a aterrar no chão, o que começou a deixar algumas marcas de irritação na minha pessoa. Refleti sobre a problemática e esbocei 5 mandamentos nesta tábua digital que agora partilho convosco:
1º mandamento: Não colocarás comida a mais no prato da criança!
Pois é, não querendo eu perpetuar um erro familiar, reduzi a quantidade de comida. Eu sei, a tentação é grande e queremos ver aqueles pratinhos lindos cheios de divisórias recheados de alimentos coloridos e instagramáveis a reluzir. Mas a verdade, e aqui falo por experiência própria, é que grande parte desses alimentos acaba irremediavelmente no chão. É que é certinho! Então se for num daqueles dias em que o capeta desce no corpo dos nossos filhos amados, então “sai de baixo” que há mesmo comida que vai parar ao chão ou tornar-se marca indelével na parede alva da nossa sala de jantar.
2º mandamento: Não confundirás a criança!
Esta ideia está ligada à anterior, ou seja, colocar menos comida de cada vez também ajuda a que a criança fique menos confusa com o que tem à frente. Um pouco como quando damos muitas opções a um adulto e ele demora muito mais tempo a decidir se os jeans ficam melhor com a blusa cinzenta-escura-caneta-feltro-carioca, a cinzenta-pombo-mal-morto ou a cinzenta-inox-acabado-de-estrear. Menos é mais!
3º mandamento: Carregarás no sabor!
Ajuda sempre que a comida tenha sabor para que a criança tenha mais vontade de comer “tudo até ao fim”. Optar por produtos locais e da época é sempre meio caminho para que a comidinha que os alimenta chegue direita ao estômago e ao coração dos mais pequenos – ah e não se esqueçam, nada de sal que não lhes faz falta nenhuma!
4º mandamento: Forrarás o chão com afinco!
Ora bem, esta é uma forma muito prática de garantir a circularidade dos alimentos daquela refeição. Forrado o chão com um plástico (vai ser o plástico reutilizável mais útil das vossas vidas), podem sempre recuperar os alimentos suicidas involuntários e voltar a colocá-los no prato ou no tabuleiro (sim, porque o prato também costuma voar a meio do processo). Vão ver que a criança vai voltar a olhar para esses alimentos como se nunca os tivesse visto há 10 segundos e, quem sabe, levá-los à boca para os comer com muito mais ganas.
5º mandamento: Ter paciência
Ando a ter aulas sobre o tema, porque, como referi no início deste texto, isto é uma coisa que me mexe com os nervos. Porém, não me posso esquecer que as crianças, nesta fase inicial, estão a aprender a relacionar-se com a comida, enquanto esfregam o molho das almôndegas na cara ou atiram com o naco de salmão contra o chão para ver se ele grita por ajuda. Como ele não grita, cabe-nos a nós, pais e cuidadores, acompanhá-los na experiência e perceber os sinais da sua saciedade. No limite, se a comida que lhe dermos não for suficiente, colocamos mais um bocadinho.
Em jeito de conclusão, faz parte do processo ter a paciência e a disponibilidade para explicar às nossas crianças os factos da vida enquanto brincam com a comida. A verdade é que ainda é cedo para saberem que ela é escassa em muitas partes do mundo e pode tornar-se ainda mais se não travarmos as batalhas que a natureza já nos mostrou serem urgentes. Mas isso é outra história e eu depois trato de a trazer para aqui.